Fato espĂ­rita
Variedades
EUGÉNIE COLOMBE – PRECOCIDADE FENOMENAL

Vários jornais reproduziram o seguinte fato:

“O Sentinelle, de Toulon, fala de um jovem fenômeno, que se admira no momento nesta cidade.

“É uma menina de dois anos e onze meses, chamada Eugénie Colombe.

“Esta menina já sabe ler e escrever perfeitamente; além disso está em condição de sustentar o mais sério exame sobre os princípios da religião cristã, sobre a gramática francesa, a geografia, a história da França e as quatro operações de aritmética.

“Conhece a rosa dos ventos e sustenta perfeitamente uma discussão científica sobre todos esses assuntos.

“Esta admirável menina começou a falar muito distintamente com quatro meses de idade.

“Apresentada nos salões da prefeitura marítima,Eugénie Colombe, dotada de um semblante encantador, obteve um sucesso admirável.”

Este artigo nos tinha parecido, como a muitas outras pessoas, marcado de tal exagero, que não havíamos ligado nenhuma importância. Todavia, para saber positivamente a quem nos atermos, pedimos a um dos nossos correspondentes, oficial de marinha em Toulon, que se informasse do fato. Eis o que nos respondeu:

“Para me assegurar da verdade, fui à casa dos pais da menina referida pelo Sentinelle Toulonnaise de 19 de novembro; vi essa encantadora menina, cujo desenvolvimento físico é compatível com sua idade: ela não tem mais que três anos. Sua mãe é professora e dirige a sua instrução. Em minha presença interrogoua sobre o catecismo, a história sagrada, desde a criação do mundo até o dilúvio, os oito primeiros reis da França e diferentes circunstâncias relativas a seus reinados e ao de Napoleão I. Quanto à Geografia, a menina citou as cinco partes do mundo, as capitais dos países que encerram, várias capitais dos Departamentos da França. Também respondeu perfeitamente sobre as primeiras noções de gramática francesa e o sistema métrico. A menina deu todas essas respostas sem a menor hesitação, divertindo-se com os brinquedos que tinha em mãos. Sua mãe me disse que ela sabe ler desde os dois anos e meio e garantiu-me que é capaz de responder do mesmo modo a mais de quinhentas perguntas.”

O fato, escoimado do exagero do relato dos jornais, e reduzido às proporções acima, não é menos notável e importante em suas conseqüências. Chama forçosamente a atenção sobre fatos análogos de precocidade intelectual e conhecimentos inatos. Involuntariamente se procura a sua explicação, e com as idéias que circulam, da pluralidade das existências, chega-se a encontrar a sua solução racional numa existência anterior. Há que se colocar esses fenômenos no número dos que são anunciados como devendo, por sua multiplicidade, confirmar as crenças espíritas e contribuir para o seu desenvolvimento.

No caso de que se trata, a memória parece certamente desempenhar um papel importante. Sendo professora a mãe da menina, sem dúvida a pequena se encontrava habitualmente na escola e terá retido as lições dadas aos alunos por sua mãe, ao passo que se vêem certos alunos possuir, por intuição, conhecimentos de certo modo inatos e fora de qualquer ensino. Mas por que, nela e não em outros, esta facilidade excepcional para assimilar o que ouvia e que, provavelmente, não pensavam em lhe ensinar? É que o que ela ouvia apenas lhe despertava a lembrança do que sabia. A precocidade de certas crianças para as línguas, a música, as matemáticas, etc., todas as idéias inatas, numa palavra, igualmente não passam de lembranças; elas se lembraram do que souberam, como se vêem certas pessoas lembrar-se, mais ou menos vagamente, do que fizeram ou do que lhes aconteceu. Conhecemos um menino de cinco anos que, estando à mesa, onde nada na conversa poderia ter provocado uma idéia a esse respeito, pôs-se a dizer: “Eu fui casado, e me lembro bem; tinha uma mulher, de baixa estatura, jovem e linda, e tive vários filhos.” Certamente não se tem nenhum meio de controlar sua asserção, mas, pergunta-se,de onde lhe poderia ter vindo semelhante idéia, quando nenhuma circunstância a teria provocado?

Disto se deve concluir que as crianças que só aprendem à custa do trabalho foram ignorantes ou estúpidas em sua precedente existência? Por certo que não. A faculdade de se recordar é uma aptidão inerente ao estado psicológico, isto é, ao mais fácil desprendimento da alma em certos indivíduos do que em outros, uma espécie de visão espiritual, que lhes lembra o passado, ao passo que os que não a possuem, esse passado não deixa nenhum traço aparente. O passado é como um sonho, do qual nos lembramos com maior ou menor exatidão, ou do qual perdemos totalmente a lembrança. (Vide Revista Espírita de julho de 1860; idem de novembro de 1864).

No momento de ir para o prelo, recebemos de um dos nossos correspondentes da Argélia, que, de passagem por Toulon, viu a pequena Eugénie Colombe, uma carta contendo o relato seguinte, que confirma o precedente, e acrescenta detalhes que não deixam de ter interesse:

“Esta menina, de notável beleza e extrema vivacidade,é de uma doçura angelical. Sentada nos joelhos de sua mãe, respondeu a mais de cinqüenta perguntas sobre o Evangelho. Interrogada sobre Geografia, designou-me todas as capitais da Europa e de diversos estados da América; todas as capitais dos Departamentos franceses e da Argélia; explicou-me o sistema decimal, o sistema métrico. Em gramática, os verbos, os particípios e os adjetivos. Ela conhece, ou pelo menos define, as quatro operações. Escreveu o que lhe ditei com tal rapidez que fui levado a crer que escrevia mediunicamente. Na quinta linha interrompeu a escrita, olhou-me fixamente com seus grandes olhos azuis e me disse bruscamente: ‘Senhor, é bastante.’ Depois desceu da cadeira e correu aos seus brinquedos.

“Esta criança é certamente um Espírito muito avançado,porque se vê que responde e cita sem o menor esforço de memória. Sua mãe me disse que desde a idade de 12 a 15 meses ela sonha à noite, mas numa linguagem que não permite compreendê-la. É caridosa por instinto; atrai sempre a atenção da mãe, quando avista um pobre; não suporta que batam nos cães, nos gatos, nem em qualquer animal. Seu pai é um operário do arsenal marítimo.”

Só espíritas esclarecidos, como os nossos dois correspondentes, podiam apreciar o fenômeno psicológico que apresenta esta menina e sondar-lhe a causa; porque, assim como para julgar um mecanismo é preciso um mecânico, para julgar fatos espíritas é preciso ser espírita. Ora, em geral a quem encarregam da constatação e da explicação dos fenômenos deste gênero? Precisamente a pessoas que não os estudaram e que, negando a causa primária, não lhe podem admitir as conseqüências.

TOM, O CEGO, MÚSICO NATURAL3

Lê-se no Spiritual Magazine, de Londres:

“A celebridade de Tom, o Cego, que há pouco fez o seu aparecimento em Londres, já se tinha espalhado aqui; alguns anos atrás um artigo no jornal All the year round tinha descrito suas notáveis faculdades e a sensação que haviam produzido na América. A maneira pela qual as faculdades se desenvolveram nesse negro, escravo e cego, ignorante e totalmente iletrado; como, menino ainda, um dia surpreendido pelos sons da música na casa de seu senhor, correu sem cerimônia a tomar lugar ao piano, reproduzindo nota por nota o que acabava de ser tocado, rindo e se contorcendo de alegria ao ver o novo mundo de prazeres que acabava de descobrir, tudo isto foi tão freqüentemente repetido,que julgo inútil mencioná-lo outra vez. Mas um fato significativo e interessante me foi contado por um amigo, que foi o primeiro a testemunhar e apreciar a faculdade de Tom. Um dia uma obra de Haendel foi tocada. Imediatamente Tom a repetiu corretamente e,ao terminar, esfregou as mãos com uma expressão de indefinível alegria, exclamando: ‘Eu o vejo; é um velho com uma grande peruca; ele tocou primeiro e eu depois.’ É incontestável que Tom tinha visto Haendel e o tinha ouvido tocar.

“Tom exibiu-se várias vezes em público, e a maneira por que executa os trechos mais difíceis quase faria duvidar de sua 3 Nota da Editora: Ver “Nota Explicativa”, p. 527. enfermidade. Repete sem falha no piano e, necessariamente, de memória, tudo quanto lhe tocam, quer sonatas clássicas antigas, quer fantasias modernas. Ora, bem que gostaríamos de ver quem pudesse aprender desta maneira as variações de Thalberg com os olhos fechados, como ele fez.

“Este fato surpreendente de um cego, ignorante,desprovido de qualquer instrução, mostrando um talento que outros são incapazes de adquirir, mesmo com todas as vantagens do estudo, provavelmente será explicado por um grande número, segundo a maneira ordinária de encarar estas coisas, dizendo: é um gênio e uma organização excepcional. Mas só o Espiritismo pode dar a chave deste fenômeno de maneira compreensível e racional.”

As reflexões que fizemos a propósito da menina de Toulon naturalmente se aplicam a Tom, o cego. Tom deve ter sido um grande músico, ao qual bastou ouvir para estar na via do que soube. O que torna o fenômeno mais extraordinário é que se apresenta num negro, escravo e cego, tríplice causa que se opunha à cultura de suas aptidões nativas e a despeito das quais se manifestaram na primeira ocasião favorável, como um grão germinando aos raios-do-sol. Ora, como a raça negra, em geral, e sobretudo no estado de escravidão, não brilha pela cultura das artes, forçoso é concluir que o Espírito Tom não pertence a esta raça, mas que nela se terá encarnado, quer como expiação, quer como meio providencial de reabilitação desta raça na opinião, mostrando do que ela é capaz.

Muito foi dito e escrito contra a escravidão e o preconceito da cor. Tudo quanto disseram é justo e moral; mas não passava de uma tese filosófica. A lei da pluralidade das existências e da reencarnação vem a isto acrescentar a irrefutável sanção de uma lei da Natureza, que consagra a fraternidade de todos os homens. Tom, o escravo, nascido e aclamado na América, é um protesto vivo contra os preconceitos ainda reinantes nesse país. (Vide a Revista de abril de 1862: Perfectibilidade da raça negra. Frenologia espiritualista).

SUICÍDIO DOS ANIMAIS

“Há alguns dias o Morining-Post contava a estranha história de um cão que se teria suicidado. O animal pertencia a um Sr. Home, de Frinsbury, perto de Rochester. Parece que certas circunstâncias o tinham como suspeito de hidrofobia e que, por conseguinte, o evitavam e o mantinham afastado da casa tanto quanto possível. Ele parecia experimentar muito pesar por ser assim tratado, e durante alguns dias notaram que estava de mau humor, sombrio e angustiado, mas sem mostrar ainda nenhum sintoma da raiva. Quinta-feira viram-no deixar o seu nicho e dirigirse
para a residência de um amigo íntimo de seu dono, em Upnor,onde recusaram acolhê-lo, o que lhe arrancou um grito lamentoso.

“Depois de ter esperado algum tempo diante da casa,sem conseguir ser admitido em seu interior, decidiu partir e viram-no ir para o lado do rio, que passa perto de lá, descer a ribanceira com passo deliberado; em seguida, e após voltar-se e soltar uma espécie de uivo de adeus, entrou no rio, mergulhou a cabeça na água e, ao cabo de um ou dois minutos, reapareceu sem vida à superfície.

“Segundo dizem, este ato de suicídio extraordinário foi testemunhado por grande número de pessoas. O gênero de morte prova claramente que o animal não era hidrófobo.

“Este fato parece muito extraordinário. Sem dúvida encontrará incrédulos. Contudo, diz o Droit, não lhe faltam precedentes.

“A História nos conservou a lembrança de cães fiéis,que se deram a uma morte voluntária, para não sobreviverem aos seus donos. Montaigne cita dois exemplos tomados da 82 Antiguidade: ‘Hyrcanus, o cão do rei Lysimachus, seu dono morto,
ficou obstinado sobre sua cama, sem querer beber nem comer, e no dia em que queimaram o corpo, correu e atirou-se ao fogo, onde foi queimado. O mesmo sucedeu com um cão chamado Pyrrhus,porque não saiu de cima do leito do seu dono desde que este morreu; e quando o levaram, deixou-se levar e, finalmente,lançou-se na fogueira onde queimava o corpo de seu dono.’ (Ensaios, livro II, capítulo XII). Nós mesmos registramos, há alguns anos, o fim trágico de um cão que, tendo incorrido na desgraça de seu dono, e não achando consolo, tinha-se precipitado do alto de uma passarela no canal Saint-Martin. O relato muito circunstanciado que então fizemos do caso jamais foi contraditado, nem deu lugar a qualquer reclamação das partes interessadas.”

(Petit Journal, 15 de maio de 1866)

Não faltam exemplos de suicídio entre os animais. Como foi dito acima, o cão que se deixa morrer de inanição pelo pesar de haver perdido o dono, comete um verdadeiro suicídio. O escorpião, cercado por carvões em brasa, vendo que dali não pode sair, mata-se. É uma analogia a mais a constatar entre o espírito do homem e o dos animais.
R.E. , fevereiro de 1867, p. 75